A forma de trabalhar, estudar e se relacionar mudou completamente nas últimas décadas e entender melhor o que esta acontecendo te dá mais ferramentas para viver feliz nesse mundo. Você esta sendo manipulada para usar cada vez mais as redes sociais e, mesmo sabendo disso, continua passando horas de vida olhando para telas. O tempo que poderia passar com pessoas queridas, relaxando, aprendendo coisas novas, ou ganhando mais dinheiro, agora é quase todo usado para passar o dedo pra cima e ver novidades. Por isso, sua visão de mundo é cada vez mais distorcida, limitada aos quadradinhos cheios de imagens editadas e legendas chamativas.
O documentário “O dilema das redes” trás alguns questionamentos e reflexões sobre esse fenômeno que mudou nossas vidas: quem são as pessoas que trabalham para as empresas de redes sociais? como eles escolhem como organizar e mostrar os conteúdos para as pessoas? Acredito que esses questões são importantes para qualquer pessoa que queira compreender melhor os tempos em que vivemos – há pelo menos 10 anos.
amei o doc « dilema das redes », tem todas as novidades de 2018.
— Michelle Azevedo (@micazev) September 23, 2020
Nenhuma grande empresa revela seus processos internos.
Somente trabalhadores de “colarinho branco”, aqueles que trabalham para grandes empresas internacionais, sabem os segredos de sucesso bilionário das empresas em que trabalham. Porém, a sociedade como um todo é levada a caminhos diferentes por essas empresas: nestlê, uber, samsung, microsoft… nenhuma dessas empresas toma decisões que as prejudicam, só para agradar o público. Elas apelam para propagandas que convencem as pessoas a usarem seus produtos como são e somente reduzem os agrotóxicos de suas comidas, deixam de usar transgênicos ou pagam direitos trabalhistas a seus funcionários quando pressionadas pelo governo do país onde estão – não é a toa que a coca-cola tem quantidade de açúcar totalmente diferente em diferentes lugares do mundo.
Com as empresas digitais de redes sociais não é diferente, há uma falta de transparência sobre os critérios éticos que as grandes empresas digitais levam em consideração na hora de lançar um produto, alterar algum botão em suas telas ou indicar uma pessoa para você seguir. Esses serviços manipulam as massas não só com propagandas, como já faziam as grandes empresas anteriormente, mas permeando o imaginário de cada usuário no nível íntimo e individual, a ponto de conseguirem mobilizar nossos encontros e desencontros no mundo material. Essa capacidade de moldar os conteúdos a nível individual e de movimentar as relações interpessoais sem contato físico é algo único na história da humanidade.
Esse poder esta hoje nas mãos de algumas pessoas escolhidas pelo departamento de recursos humanos de cada uma dessas empresas. Empresas essas que são, obviamente, voltadas ao lucro, com pessoas cotidianamente ali fazendo pequenas tarefas para ganhar seu salário no fim do mês.
O economista e teorico político Nick Srnicek, traz no seu livro, Capitalismo de Plataforma, uma categorização dessas grandes empresas online – que não necessariamente produz algum produto físico:
- Plataformas de Publicidade: extraem informações sobre os usuários, analisam e vendem espaço publicitário. Exemplo: Facebook
- Plataformas de Nuvem: possuem hardware e software e alugam para outras empresas. Exemplo: AWS (da Amazon, que aliás é uma das únicas empresas que se encaixa em quase todas as categorias)
- Plataformas Industriais: constróem os hardwares e softwares necessários. Exemplo: Samsung;
- Plataforma de Produtos: usam outras plataformas para vender um bem tradicional como serviço, cobrando alugueis e taxas. Exemplo: Spotify
- Plataformas Enxutas: reduzem a propriedade de ativos ao mínimo e lucram reduzindo os custos ao máximo. Exemplo: AirBnb
Entender exatamente o que essas empresas estão tentando vender à população mundial pode trazer um melhor senso crítico sobre como elas poderiam ganhar dinheiro às nossas custas. A história nos mostra alguns exemplos de empresas que vendem produtos nocivos à saúde, mas que perduraram por anos – e ainda estão por aí:
A indústria do cigarro demorou décadas para ser regulamentada e ser obrigada a retirar suas propagandas desleais atrelando o produto ao bem estar e liberdade.
A indústria de doces artificiais ainda tem cartão verde para abusar no açúcar e a Coca Cola pode colocar 12 colheres de açúcar em um produto em um país e, em outro país, a mesma bebida ter apenas 4 colheres.
As empresas de plataforma também serão eventualmente regulamentadas, cada uma dentro de sua categoria, a seu tempo, em cada país de uma forma diferente.
Junto às crescentes alternativas técnicas, medidas legais e ativismos pelos direitos digitais que surgem, podemos talvez construir e alcançar plataformas na rede mais justas, onde o usuário não seja uma mercadoria, seus sentimentos não sejam commodities e as relações sociais digitais não signifiquem apenas lucro.
Guilmour Rossi
Por enquanto, cabe a cada cidadão, regular seu próprio uso de acordo com seus valores: fumar ou não fumar, comer doces industrializados ou não e escolher as horas que fica no celular. Não é fácil e simples, são tentações desleais contra nosso bem estar, mas são realidades do nosso tempo.
Como uso as redes atualmente
Escrevi bastante sobre esse topico aqui no blog há uns dois anos atrás, mas fiquei animada pra repensar e colocar aqui minha posição 2020 sobre o assunto.
Aqui vão minhas reflexões pessoais atuais sobre redes sociais. Sem constatações finais, nem click bait “achei o jeito perfeito de usar as redes” ou “me livrei totalmente das redes”, afinal elas mesmas vão se reinventando com o tempo, aumentando suas ferramentas e a sociedade como um todo vai usando elas de forma diferente também:
Essa ainda é minha rede preferida, acho ela muito inteligente, tem um hook sensacional que pega a gente nas imagens, nas propagandas bem direcionadas e, principalmente, virou um portfolio do pequeno produtor, de restaurante e cafézinhos gostosos…
Também é canal principal de mídias jornalísticas alternativas como o mídia ninja, jornalistas livres, além de prateleira perfeita para editoras menores que resistem bravamente aos tentáculos da amazon.
Enfim, para não ficar muito viciada na rede, adotei duas medidas meio controversas:
Seguir muitas pessoas: ao invés de seguir poucas pessoas, que é a tática que usei por muitos meses, faço o contrário… vou seguindo o tanto de gente que achar legal e até perfis interessantes que nada tem a ver com a minha realidade, assim as informações ficam perdidas ali e o feed não tem muita consistência, logo os anúncios também não me atraem tanto.
Perfil aberto: Ao invés de manter um perfil fechado e mostrar minha vida pra poucas pessoas, deixo ele aberto justamente porque não quero publicar muito minha vida pessoal, não só para as outras pessoas não verem, mas para o algoritmos não coletarem tantos dados sobre mim e refinarem suas predições sobre meu comportamento.
Quanto menos o Instagram souber quem são meus melhores amigos, as horas que estou triste e propensa a comprar ou quais são exatamente meus interesses, melhor.
Regra de ouro sobre influencers: Uma regra pessoal que tenho há bastante tempo é não seguir influencers que “influenciam” coisas que não procuro no momento, como por exemplo quando a pessoa muda da cidade que me interessa, vira garota propaganda de uma marca que não gosto muito, é mulher e entra em fase de engravidez…
Enfim, influencer não é amig@ nem conhecida né, ela ta ali pra te influenciar em algo que te interessa se sentir motivada, se não é o momento que bate, unfollow.
Me senti totalmente demodê, mas voltei ao facebook
Tenho um problema crônico com essa rede, pois alguém mantem um fake ativo com meu nome ali desde 2010. As vezes penso que isso é algo bobo, afinal quem sou eu na fila do pão? Ninguénzinha, então tudo bem alguém fingir que sou eu… a não ser pelo fato de que, não ta tudo bem, né?
Falsidade ideológica é crime, até online.
Enfim, o grupo de moradores do meu prédio só existe no facebook, assim como só há uma comunidade significativa de pessoas conversando sobre meu curso na faculdade, nessa mesma rede. Os grupos substituíram os antigos fóruns espalhados pela internet. É pra isso que voltei pra lá.
Eu costumava pedir pra uma ou duas pessoas para usar o FB para vender algo ou ver algo, mas tendo em conta que essa empresa já tem todos meus dados comportamentais via whatsapp e instagram, acho que o melhor que tenho a fazer é admitir meu perfil ali e, de quebra, representar minha própria identidade dentro deste lugar (o país facebook).
Meu único post é um fixo avisando que o outro perfil é fake.
Vou começar reclamando!
Sabe aquele mecanismo que os programadores usam nas redes sociais que funciona como uma máquina de cassino para nosso cérebro?
Funciona assim: quando você entra, a notificação de likes e mensagens demora um pouco para carregar de propósito, para que você sinta certa ansiedade sobre isso (mesmo que você nem perceba que é por causa disso).
Então, até onde percebi, o twitter é o que tem o maior delay no aviso de notificações e para carregar mais posts. Isso me deixa p*, mas gosto muito de seguir algumas pessoas, então mantenho.
Minhas regrinhas ali são:
- Não postar coisas quando estou com as emoções a flor da pele, principalemente para o algoritmo não mapear esses meus dias e me guiar pra lugares que não quero manter. O que me ajuda com isso é justamente manter o perfil aberto;
- Fazer pequenos exercícios pessoais de escrita, síntese e pensamento crítico retwittando as coisas apenas com comentários. Nada demais, mas acho construtivo.
Até agora o melhor algoritmo – no sentido corresponder as minhas expectativas de ficar feliz vendo algo – de todas as redes.
Não me empurra propagandas e mantém certo padrão: se procuro dicas de francês ele me da mais, se quero frases motivacionais ele me dá as parecidas e não perfis que coach quanticos vendendo cursos.
Já aprendi muitas coisas pelo pinterest. Acho bem incrível como aprendo e retenho as informações que vejo ali naqueles infográficos e imagens tão bem feitas (obrigada humanidade).
Eu não deixo de pesquisar coisas que me fariam comprar, tenho uma pasta com roupas preferidas e uma com decoração de apartamento, por exemplo, mas como o que eu mais pesquiso é sobre idiomas, desenho, plantar hortinhas e crochê, as indicações que chegam pra mim são, juro, 90% úteis, além de raramente me causarem ansiedade de compra ou FOMO (fear of missing out – medo de estar perdendo algo).
Considerações finais
Acho que poderia sintetizar assim, meu maior foco ali é em usar e não ser usada pelos algoritmos. Se eu sinto que estou sendo levada pra algumas emoções, pensamentos, desejos de compra ou sei lá… coisas que não faço ideia de onde vem e que me confundem ou me fazem sentir meio mal, logo paro de mecher por uns dias.
Aliás, já deixo de mecher por uns dias não só por isso, mas porque acho que ficar offline faz bem pra minha cabeça, no geral. Foi uma longa construção até aqui e sei que tudo isso vai continuar mudando, vai que algum dia dependo das redes pra trabalhar ou algo do tipo, não sei.
Gosto de manter minha persona mais tranquilex ali, falar de coisa boa com as pessoas não tão próximas uma ou duas vezes na semana, postar livros, eventualmente mostrar algo legal que fiz, as vezes dar umas pistoladas políticas, mas não costumo fazer overpost por dois motivos:
- Considero meio desesperador e ansiolítico do ponto de vista social – solitude e privacidade são luxos dos quais não deveríamos abrir mão;
- Acho estúpido do ponto de vista de alimentar os algoritmos a nos conhecer demais / ter muito poder de manipulação sobre nossos momentos mais vulneráveis emocionalmente.
Minha maior preocupação com as redes deixou de ser me conectar com as pessoas, ali é uma porta de entrada bem estreita pro que pode ser um universo do que é o convívio real com outras pessoa e ainda confio mais nas conexões que rolam ao vivo do que nas que começam no digital. (old person detected).
Por fim, fico muito feliz que esse documentário tenha saido e que possa conversar sobre isso não só entre um ou outro amigo mais subversivo, mas com minha família também 🙂