Você já comprou alguma coisa que nunca usou. Não importa quão pobre ou rico você é, você tem alguma coisa esquecida numa gaveta, que pouco usa ou pouco usou. Você também, provavelmente, tem coisas quase obsoletas na sua casa como CDs e DVDs, talvez até disquetes. É parte da modernidade: desde que o salário dos trabalhadores de fábrica aumentou e que as propagandas surgiram no jornal, as pessoas querem comprar coisas, acumular coisas em casa.
Fumio Sasaki não era diferente, acumulava cadernos, instrumento musical, máquina fotográfica, jogos, livros… Ele guardava todos os aparatos para seus supostos futuros hobbies, mas ele raramente tocava neles, deixava tudo para depois. Chegava tarde do trabalho, abria uma cerveja, ligava a TV e, no dia seguinte, era tudo igual.
Até que ele resolveu que queria mudar.
Começou por limpar sua casa, se desfazer de todas as coisas que não utilizava e a se tornar uma pessoa mais saudável, até parou de beber. Esse processo de transformação pessoal demorou mais de um ano, era muita coisa para vender, para dar… também era difícil mudar de hábitos. Claro que ele documentou essa transformação em um blog.
O minimalism.jp foi criando um público grande e Fumio, apenas um homem solteiro de trinta e poucos anos, editor assalariado japonês, acabou palestrando, em 2017, para a sociedade japonesa de Nova York, onde até mostrou as fotos do antes e depois do seu ‘processo minimalista’:
*Note quem é o apresentador do evento: Matt d’Avella 😉
Fumio acredita que se livrar dos objetos que não usa é muito mais do que só tornar a limpeza de casa mais fácil, por isso escreveu dois livros para explicar sua filosofia de vida: o ‘Adeus, coisas’ e o ‘Hello, habits’.
No Adeus Coisas, ele dissemina os métodos e técnicas que usou para se tornar um minimalista e incentiva o leitor a experimentar o minimalismo, o que acredita ser um estilo de vida libertador. O livro tem um passo a passo com MUITASa dicas para destralhar .
“minimalistas sabem diferenciar entre o que é necessário para elas, versus o que elas querem para manter as aparências, e não tem medo de cortar tudo na segunda categoria.”
Além de falar de possessões materiais, o autor também explica a importância de reduzir as distrações e atenta que a internet é uma fonte de sobrecarga de informações que nos faz comprar coisas inúteis e tomar decisões ruins. Afinal, até uns 300 anos atrás, não havia jornal, as cidades não tinham notícias rápidas umas sobre as outras, as pessoas viviam com uma quantidade limitada de informações. [ Será que viver no ‘Aqui e agora’ era muito mais fácil? ]
Compreender a natureza
Fumio lembra o leitor que seres humanos tem um sistema nervoso ainda igual ao de caçadores coletores “com um cérebro de 5 mil anos, nós não temos muito espaço para gastar tempo ou energia”. A super carga de informações pode atrapalhar as atividades do dia a dia e, sem que você perceba, atrapalha suas emoções e sua capacidade de tomar boas decisões.
“Nós podemos comprar qualquer coisa online, de qualquer lugar do mundo. Podemos assistir programas de qualquer país estrangeiro, sem mencionar as rádios além mar. É como se todos meus amigos tivessem se tornado escritores de artigos ou repórteres gourmet, ou talvez correspondentes no exterior, quando eu penso em todas as notícias globais que eles me mandam por twitter, Facebook e LINE.”
Toda essa conectividade também leva a uma comparação constante entre inúmeras referências, ideias, possibilidades, pessoas, personalidades… e, depois que Fumio começou a minimizar esses estímulos externos, ele notou: “Eu não tenho um apartamento com uma vista alta da cidade. Eu não tenho nenhuma dessas coisas que eu sempre achei que queria.” ou seja, depois que começou a se questionar e sentir seus próprios sentimentos, sem tantas interferências externas, ele percebeu que não queria tudo o que achava que queria, ele conseguiu separar melhor o que era dele e o que era estímulo externo.
Isso deixou ele mais tranquilo, por isso passou a defender que, por mais que as pessoas façam o que todos estão fazendo, por mais que sigam as tendências, continuarão insatisfeitas. Por exemplo, quantas pessoas não vemos que enchem o rosto de botox e o corpo de silicone, gastam milhares de reais… e ainda querem mais? Fumio diz “a pessoa pode fazer plásticas para levantar o rosto, ficar entediada das mudanças e continuar querendo fazer outras.”. Será que esse é um convite para viver uma vida onde o espelho e as selfies tenham menos centralidade?
“Você não é a única pessoa que esta preocupada com seu rosto – todos nós estamos envelhecendo”
Como fazer isso?
Fumio acredita que é preciso ver valor em ser exatamente quem se é, gostar da própria vida que tem, no momento e condições presentes, sem tirar nem por. Só assim o desejo de querer mais e mais diminui um pouco, assim como a necessidade de procurar novas coisas para matar o tédio.
“Nós podemos fazer qualquer coisa sem uma dose de narcisismo. Não é ruim pensarmos que nós somos valiosos. Na verdade, é necessário. O problema reside em como transmitimos nosso valor ás outras pessoas.”
Nutrir o sentimento de ser suficiente e acreditar que existir é, por si só, motivo para se ter valor. É cultivando esse tipo de pensamento que a vontade de consumir vai se esvaindo. Consumir para suprir um vazio do que esta faltando agora abre espaço para um movimento de mudança, do eu e do mundo, mais profunda, que não tem muito a ver com ter, mas mais com ser. É uma mudança de compreensão da realidade que sai da lógica cultural capitalista moderna.
Danshari ou destralhar, é a ferramenta que Fumio encontrou para economizar dinheiro, ter um corpo saudável, melhorar suas relações, descobrir novos hobbies e aumentar a percepção sobre seus pensamentos e sua energia.
Relacionamentos
Essa destralhe não foi fácil, assim como a Cait Flanders, Fumio nota “Parece que o medo de nos arrependermos é o que nos previne de dizer adeus”. Com medo de se arrepender depois. ele tirou foto de todos os pertences que tinha, para caso sentisse falta de algo e quisesse comprar de novo, mas ele afirma que nunca nem chegou a abrir a pasta com as tais fotos.
Outro receio era o julgamento alheio, “Eu não me sinto mais envergonhado de fazer qualquer coisa. De agora em diante, eu simplesmente faço o que tiver vontade.”, coisa que Cait também trás em seu livro, ela diz “o medo de acharem que você esta se desfazendo das coisas porque esta sem grana ou que você é um chato porque não quer sair pra beber”, por exemplo.
“Nos prender a coisas do passado é a mesma coisa que nos apegarmos com uma antiga imagem nossa. Se você esta minimamente interessado em mudar alguma coisa em você, eu sugiro que seja corajoso e comece a deixar as coisas irem. Deixe apenas as coisas que você precisa para fazer esse próximo movimento.
Porém, o que Sasaki notou foi, na verdade, que ele mesmo parou de julgar os outros por seus pertences ou cargos. Ele não acha mais difícil explicar para as pessoas que esta testando novas maneiras de ser feliz e que ele respeita as escolhas delas, mesmo tomando um caminho totalmente diferente.

Segundo Livro – Hábitos
Dois anos depois desse primeiro livro, Fumio escreveu o ‘Hello, habits’, um ótimo livro introdutório sobre o assunto, com muitos exemplos do cotidiano e relatos bem descritivos de como contornar as dificuldades mentais e físicas ao criar novos hábitos.
A simplicidade com que o autor descreve sua própria rotina vai contra a corrente dos gurus da internet, cheios de regras para o aumento da produtividade e performance, enumerando os hábitos de pessoas bem sucedidas, bilionárias ou de alguma corrente específica, como o Ayurveda ou o Estoicismo, por exemplo. Esperam que as pessoas valorizem e imitem em suas vidas essas listas de hábitos.
Fumio entende que é importante criar seus próprios hábitos: Ele denuncia a simplicidade do cotidiano (lavar um prato, varrer a sala…) e trás um método de parteira parecido com Sócrates: ele não da uma lista pronta de bons hábitos que o leitor deve aderir, mas instiga o leitor com perguntas e reflexões e o convida a dar luz aos seus próprios hábitos, que façam sentido para suas próprias particularidades.
O autor acredita que cada pessoa tem um sistema de valores próprios e um ponto de partida totalmente particular, ou seja, a sua história de vida construiu o que hoje te trás prazer imediato e o que você topa esperar um pouco mais, para poder obter um maior prazer depois de esperar ou depois de fazer algum esforço.
“As pessoas acham difícil imaginar que outras tem diferentes tipos de ‘sistemas de recompensa’ do que elas mesmas.”
O que Fumio levanta é que criar um hábito é passar pelo primeiro momento de estranheza. Esse primeiro momento pode demorar dias, meses ou anos: criar um hábito é conscientemente repetir algo várias vezes ,até que a memória consiga se lembrar que a recompensa que vem depois. É educar o cérebro de que não é uma promessa que a recompensa virá, é uma certeza.
“Eu me lembro que se eu acordar e fizer um pouco e yoga, estarei acordado em 5 minutos, mesmo se eu estiver cansado quando tocar o despertador. Porque eu repeti esse embate interno repetidas vezes, o resultado é sempre o mesmo. Meu parlamento interno não tem que ficar repetindo o voto.”
Por exemplo, depois de muito tempo sem se exercitar, fazer esse esforço é horrível, dói, o corpo sua demais 😪, o coração fica acelerado… como se habituar ao ato de se exercitar? O autor da alguns exemplos de relatos mostrando que, mesmo atletas profissionais, depois de anos de prática, tem o pensamento ‘não quero treinar hoje’, mas vão treinar mesmo assim.
Tonar algo um hábito significa reescrever uma recompensa no cérebro. Enquanto o senso de satisfação e euforia instantânea for maior do que aquele que vem depois, você procrastina coisas difíceis e faz logo as coisas fáceis. É preciso fazer algo várias vezes até que a espinha do dendrito que conecta as sinapses no cérebro se torne maior.
“Não é que as coisas atraentes em frente de você desaparecem. Mas quando você continua recebendo recompensas maiores no futuro, a recompensa em sua frente (aquela que vem mais rápido) se torna entediante.”
O mesmo vale para os hábitos que se quer quebrar: quanto menos treinar tal coisa (assistir pornografia, por exemplo), as sinapses de recompensa sobre aquilo se enfraquecem e essa conexão fica ‘em estado dormente’. Essa vontade pela recompensa imediata é o sistema nervoso mais primitivo agindo, portanto, quanto mais você desenvolve hábitos – um de cada vez – menos utiliza dos seus instintos.
Motivação
Fumio diz que os dois principais motivadores são a aceitação social e o próprio senso de eu, as histórias que você conta para si próprio sobre quem você é. É preciso usar essas coisas em favor próprio. Ao invés de pensar que as pessoas vão achar ruim se você mudar, é preciso encontrar a aprovação alheia. Ou seja, perceber que sempre há quem encontre valor em alguma coisa, assim como sempre há quem não queira essa coisa para si, mas focar-se apenas no lado positivo dessa visão.
Apesar de não trabalhar mais no mundo corporativo ou de não beber, Fumio compreende que a motivação das pessoas é mais importante do que a coisa em si. Um exemplo que ele dá é que ele bebia de um modo que não fazia bem pra ele, mas ele sabe que existem pessoas que trabalham com vinho ou cerveja artesanal e que esse é um negócio sério pra essas pessoas, elas levam em consideração o paladar, a qualidade dos ingredientes e muitos outros aspectos das bebidas.
A motivação, a frequência, a qualidade com que cada pessoa executa algo é totalmente diferente de indivíduo para indivíduo, se focar nas pessoas que não compreendem isso realmente não ajuda muito na tentativa de mudar de caminhos, mas considerar que há pessoas que tem respeito pelas escolhas alheias e ser uma pessoa que cultiva essa perspectiva é uma forma de conseguir transformar sua própria narrativa e compreender que sempre terá, em algum lugar, aceitação social.
“Posso olhar para outra pessoa simplesmente como outro ser humano, sem colocar a pessoa num ranking baseado nas coisas que ela tem. Com resultado, eu não penso que eu vou ter vergonha de mim novamente quando conhecer outra pessoa.”
Hábitos perigosos
Por fim, como disse, ele não trás uma lista de hábitos padrão, mas levanta que se alimentar de forma saudável, se exercitar e dormir bem são hábitos considerados chave para um bom andamento das outras partes da vida. Ele não propõe uma dieta ou um exercício em específico, mas diz que há certas necessidades básicas ao bom funcionamento do corpo que muita vezes são negligenciadas dentro da cultura de trabalho.
Ele diz que há o estereótipo de escritores ou artistas como pessoas não saudáveis, nunca atléticas, que bebem e fumam em excesso, ele questiona: “talvez seja tempo de elas pensarem se vale a pena o sacrifício das suas condições fundamentais de vida.”. O Nassim Taleb também questiona esse estereótipo em seu livro “Antifrágil” e narra que causa espanto nas pessoas que ele é um pensador bem forte, que levanta pesos.
Fumio também lembra que há uma cultura corporativa de pessoas que acreditam que só podem ser bem sucedidas se forem muito competitivas, trabalharem a mais e portanto dormirem pouco, que comem em frente ao computador etc. Para esses ele diz:
“Pessoas que são incentivadas por empresas a trabalharem demais podem sentir uma euforia pelo auto-sacrifício, trabalhar demais é reconhecido por seus iguais, então sua dor é a sua própria recompensa (aprovação social). Mesmo que elas queiram sair dessa situação, pode ser difícil se isolar da comunidade corporativa.
Fumio Sasaki
Se você gostou das ideias do Fumio e quer ler direto da fonte, seu primeiro livro é ótimo guia para revisitar e já foi lançado em português como: Dê adeus ao excesso: A sensação libertadora de viver com menos que só o minimalismo .
Já o segundo livro ainda não foi traduzido: Hello, Habits: A Minimalist’s Guide to a Better Life
Fora esses meios, o autor posta raramente no minimalism.jp , um blog que mantém com um amigo. É possível traduzir o conteúdo da página inteira em japonês com a ferramenta do google de tradução, é só copiar o link na área para traduzir e ela te dá a opção de abrir a página já traduzida. (Eu particularmente acho que a tradução do japonês fica bem esquisita)